[Libras] A transgressão do professor surdo – Flaviane Reis

Louise Rakoski

Introdução

A transgressão pedagógica com o professor surdo Michael Foucault escreve no prefácio de: “Linguagem, contramemória, prática” algumas palavras que estão indicando a transgressão como sendo nunca um destruir, mas um simples construir. Transgressão. Talvez um dia ela pareça tão decisiva para a nossa cultura, tão parte de seu solo quanto a experiência da contradição foi no passado para o pensamento dialético. A transgressão não busca opor uma coisa a outra … não transforma o outro lado do espelho … em uma extensão rutilante…sua função é medir a excessiva distância que ela inaugura no âmago do limite e traçar a linha lampejante que faz com que o limite se erga. (Foucault, apud Hall, 2003, p. 219).

A transgressão e o espaço cultural

Nos últimos anos, tem surgido uma nova transgressão entre os professores surdos e, ao contrário do passado, vinculado a pedagogia tradicional. Ela faz com que se transformem nas transgressões na educação dos surdos. Transgressões que pretendo investigar neste espaço. Se no passado, os professores surdos foram considerados os grandes responsáveis pelas dificuldades do ensino, o fracasso educacional veio do implante 104 escolar do Oralismo. Nos tempos atuais, entrar na sua profissão como professor surdo, no meio da educação de surdos, altera a perspectiva de trabalho do professor surdo. O espaço enfatiza a cultura, a língua, a identidade, a alteridade, a política e a poética. A transgressão foi tomando rumo, foi fazendo acontecer o espaço cultural. No entanto, é uma virada cultural, como vimos com Foucault. Estes aspectos podiam ter sido considerados como um ato contra a dominante dos ouvintes sobre a educação dos surdos, constituída na visão dos ouvintes.

No contexto, aponto a transgressão pedagógica do professor surdo como a saída democrática que remete a relações de poder como povos surdos a partir da transformação. A fim de indicar a importância da transgressão, como diz o autor Popkewitz ( 1994,p. 56), (…) “pontos débeis nos regimes de verdade, identificando, portanto, lugares potenciais de transformação”, são as transgressões que lançam as visões sobre a perspectiva da cultura surda. Transgredir a visão histórica dos professores ouvintistas sobre o professor surdo e o povo surdo. Elas são o indicativo do que estava sendo subalternizado dentro das relações de poder entre os professores. O que pode se entender com o surgimento nova transgressão do professor surdo? O que limita o trabalho nas escolas, mas como um lugar de direitos nos povos surdos? A transgressão remete à decisão própria dos surdos para defender a existência da cultura surda, alteridade, pedagogia da diferença, língua de sinais, política, poética e entre outras coisas diferente da cultura ouvinte…

Cultura dos surdos e a educação

Isto possibilita a afirmação da cultura dos surdos, que deve ser vista não como uma diversidade, e sim pela diferença. Mas tem que entender como a existência do professor surdo necessita ser entendida. A forma de ver o professor surdo como profissional e intelectual, o estabelecer relações e valores culturais deve ser usada na educação de surdos. Para poder integrar na sua educação, em conjunto para entrar numa relação intercultural nas escolas, que vão celebrar os valores entre os professores surdos e ouvintes. Ao buscar o repertório dos sujeitos para o meu projeto de pesquisa, pude perceber a minha íntima concordância com quantidade de ideias destes professores surdos. Todos eles mostraram estratégias educacionais direcionadas à especificidade de suas práticas como professores surdos, o que me motivou ainda mais ao desenvolvimento da presente pesquisa. Como surda e professora, senti-me não só motivada, mas também impelida a desenvolver pesquisas nessa área.

É importante a participação do professor surdo, mas como uma representação de “marcas surdas” que há muito tem tentado falar sobre os aspectos culturais da educação dos surdos, Sá disse: Sabe-se que, ao longo da história, a participação da comunidade surda nos processos educativos para os surdos tem sido impedida. Esta forçada omissão não se justifica socioeducativo; não são incapazes patológicos destinados a um alvo que não é naturalmente o deles; tornar-se como o ouvinte. A maior parte das polêmicas sobre a educação de surdos sempre se desenvolveu no âmbito dos ouvintes, ou melhor, dizendo, quando esta se desenvolve entre os surdos, elas não são difundidas ou consideradas. Há muito tempo é imperiosa a necessidade de mudanças. (Sá, 2002, p.12). Olhando para o professor surdo, é necessário entender de que forma seu ser surdo afetou sua subjetividade e de que forma ele foi construindo ao longo do tempo a sua visão sobre a educação de surdos. Que sujeito e que identidade se originou das experiências como sujeito surdo? Esse fator é fundamental para compreender e analisar a consciência pedagógica do sujeito surdo. Ao discorrer sobre este tema chega-se a questão da importância do autoconhecimento de si mesmo como surdo, um ser político e membro de povo diferente, se vendo como diferente e não deficiente. O professor surdo emerge, portanto, enraizado a esta sociedade pós-moderna na demarcação da diferença.

Professor surdo e o contexto educacional

Trata-se de uma sociedade que produz uma variedade de diferentes “posições de sujeito”. Afirmar, portanto que o mundo mudou, que as identidades estão sendo reformuladas ou desformuladas, que as concepções dos sujeitos a partir de si mesmo também estão profundamente abaladas, e que vem sendo feita por inúmeros teóricos sociais. No cenário global, as fronteiras já são quase inexistentes, a velocidade da informação, disseminação e disponibilização de conteúdos através da internet e outros meios é uma realidade. Esse processo conhecido como globalização sem dúvida é um fator importantíssimo no processo de transformação global. Essas mudanças, como não poderiam deixar de ser, penetram até o campo educacional, onde a emersão de uma pedagogia que assimile o surdo com sua identidade e sua cultura definida é cada vez mais presente.

Segundo Roger Simon: Pedagogia refere-se à integração, na prática, de certos planos e conteúdos do currículo, técnicas, estratégias de sala de aula, e avaliação, propósito e métodos. Todos esses aspectos da prática educacional estão juntos dentro da realidade das salas de aula. Juntos, eles organizam uma visão de como o trabalho de um professor, dentro de um contexto institucional, especifica uma versão particular de que o conhecimento é de maior valor, o que significa saber algo, e como nós podemos construir representações de nós mesmos, dos outros, e de nosso ambiente físico e social. Em outras palavras, falar sobre pedagogia é falar simultaneamente sobre os detalhes do que os estudantes e outros podem fazer juntos e sobre a política cultural que tais práticas apoiam. Nesta perspectiva, não podemos falar sobre práticas de ensino sem falar sobre política. (1987, p. 370).

Pedagogia dos surdos

Essa pedagogia dos surdos, como foi alcunhada, me leva a repensar a prática cultural do professor surdo. Por um bom tempo, os professores surdos entenderam o sujeito surdo, como ser rotulado e caracterizado de maneira homogênea, como possuidor de deficiência ou incapacidade. Como se pudéssemos anular estes inúmeros fatores que envolvem o ser humano (gênero, condição social, nacionalidade, estrutura familiar, etc.)? Felizmente hoje, sabem reconhecer o surdo como possuidor de uma identidade mais ampla em vista de sua diferença. Pois bem, entendendo o contexto histórico em que vivemos, é necessário então compreendermos onde se situa o sujeito surdo, de que forma este é afetado e de que forma ele reage neste cenário de transgressão já que o mesmo é o alvo de pesquisa. Ser necessário ressaltar que, quando se pressupõe que o sujeito pós-moderno passa a descentralizar a sua identidade que até então era “ancorada” em modelos existentes nas épocas anteriores, estou falando aqui de um sujeito surdo, já que ao lançar luz a trajetória dos surdos, vê-se que os mesmos, devido ao holocausto cultural, linguístico e educacional, foram privados da formação de sua identidade cultural e do complexo entendimento a partir de si mesmo dessa identidade surda, se assim o posso dizer, ou seja, o sujeito surdo não podia se reconhecer como surdo, mas sim como não normal.

Ele era visto e obrigado a se ver a partir da perspectiva do que ele não era, e qualquer tentativa de formação de identidade cultural era abolida como uma tentativa de formação de guetos e segregação. Claro que alguns sujeitos surdos conseguiram sobreviver a todas essas relações de poder, no entanto isso se deu através de um processo constante de negação da tentativa de rotulação etnocêntrica. É ingênuo, portanto pensar que somente com o advento da pós-modernidade é que temos a percepção por parte do sujeito do seu pertencimento a culturas étnicas, raciais, linguísticas, religiosas e, acima de tudo, nacionais. O que se vê ao longo da história é o sujeito surdo lutando constantemente contra essas tentativas de homogeneização de sua identidade e também a sua importância entrar numa relação intercultural, pois faz parte da sociedade, e respeitar uns aos outros. Pois bem, no contexto histórico da visão dos professores surdos, é importante entender que os próprios professores surdos se produzem do seu jeito de ensinar, do seu jeito de se produzir, isso é uma referência a política e a poética e a transgressão pedagógica.

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