Sou surdo, posso viajar sozinho?

Nicole Utzig Mattjie

Normalmente as pessoas têm medo de viajar sozinhas e é quase um tabu pensar em ir para outro país sem alguma companhia. Além disso, a situação pode parecer ainda mais impossível se você tiver deficiência auditiva, certo? Sua família e seus amigos podem até te achar maluco por querer encarar sozinho uma viagem para o exterior! Mas hoje nós viemos aqui te mostrar que isso não é empecilho para que você realize o seu sonho de conhecer o mundo!

Por acaso você já se perguntou o seguinte: Sou surdo, posso viajar sozinho? E a resposta é sim! Portanto, mesmo que seja algo novo e desafiador, isso não significa que não possa ser feito!

Pois é, para muita gente isso pode parecer impensável, mas não para o Paulo, que é surdo de nascença e ama conhecer lugares novos. Por isso hoje nós separamos algumas dicas de viagem para surdos que o Paulo compartilhou conosco! Confira na entrevista abaixo.

Paulo, você pode se apresentar e contar um pouco sobre a sua história?

Meu nome é Paulo Sugai, tenho 30 anos, nasci surdo em razão de rubéola contraída durante a gravidez. Minha surdez é profunda bilateral neurossensorial e uso implante coclear no lado esquerdo, além de ser surdo bilíngue. Atualmente, sou advogado, tenho um escritório de advocacia e possuo interesse em data science também – faço alguns cursos por conta própria para aquisição de conhecimento. 

Quando e como foi sua primeira viagem sozinho?

A minha primeira viagem a sós ocorreu em 2008, quando fui a Curitiba encontrar alguns amigos. Foi uma experiência desafiadora, pois ela ocorreu pela via terrestre: fui de ônibus. Além disso, naquela época, eu era bastante inseguro e acabei me estressando bastante com a questão das paradas rotineiras na estrada. Tinha que confirmar sempre se aquela parada não era a correta e quanto tempo tínhamos para lanchar ou ir ao banheiro: sempre batia o medo de perder o ônibus e ficar preso em uma cidade qualquer. Felizmente, deu tudo certo e consegui chegar ao destino em segurança! 

Já a primeira viagem ao exterior a sós (sem companhia de família ou amigos) foi em 2015, quando, em um impulso, decidi que encararia Seattle, Boston, Nova Iorque, Washington e Penn State de uma vez… ou seja, de um canto a outro dos Estados Unidos. 

Quais foram suas maiores dificuldades ao viajar sozinho sendo surdo?

Então, em ambas as viagens, eu diria que o principal problema para um surdo que quer viajar sozinho é a ausência de acessibilidade nas informações: as empresas não estão acostumadas a lidar com consumidores que necessitam de informações visuais e não-sonoras. Por mais que a legislação nesse sentido exista, na prática o que vemos não é isso.

Outra dificuldade que persiste é a comunicação – muitas vezes os funcionários não se encontram capacitados para lidar com pessoas com deficiência, de modo que para um surdo usuário de Libras, pode ser extremamente desafiador lidar com um representante da empresa que não tenha esse conhecimento. E um surdo oralizado? Muitas empresas ficam surpresas quando descobrem que existem surdos que falam.

Que dicas você daria para quem é surdo e sonha em viajar sozinho?

Eu diria que ter “cara de pau” é um requisito para viajar sozinho: não hesite em fazer valer os seus direitos! Exija das empresas auxílio para que a sua viagem transcorra de forma tranquila. Leve um bloco de notas e uma caneta (se não der, o celular serve) para que, caso a comunicação fique truncada, você tenha uma alternativa.

Também faça, sempre que possível, um seguro saúde no caso de viagens para o exterior. Em alguns lugares, a acessibilidade é mais visível (como na Europa e nos Estados Unidos), mas caso você passe por dificuldades em algum atendimento médico, também é possível utilizar o celular e o tradutor por voz. 

Procure deixar a sua família atualizada… E, principalmente, aproveite a viagem sem medo! 

Você sente que há dificuldades de acessibilidade para o surdo ao viajar? Em hotéis, aeroportos e museus, por exemplo.

Acredito que a acessibilidade é um fator que varia de destino. Em alguns lugares, você pode conseguir compreensão e suporte. Em outros, será necessário dar um jeito por conta própria.

A principal dificuldade em aeroportos, pelo que percebi das minhas experiências, é a insistência em se valer de avisos sonoros. Pois não há nenhuma acessibilidade nisso e um surdo vive com a atenção presa nos painéis, com medo de perder o voo em razão de alguma mudança de última hora!

Em museus, é mais fácil de conseguir acessibilidade. Muitas vezes, o museu não cobra a entrada da pessoa surda e disponibiliza intérpretes ou guias treinados específicos para esse acompanhamento.

Paulo na Universidade de Gallaudet, que tem seus programas totalmente voltados para surdos, em Washington.

Qual a maior lição que você aprendeu viajando sozinho?

Viajar sozinho é uma experiência que vai te mudar. Você retorna da viagem uma outra pessoa e é uma jornada de autoconhecimento e amadurecimento incrível. Porque você passa a aprender a resolver problemas sozinho, a aprender a curtir um momento consigo mesmo, a ter mais paciência e, especialmente, é capaz de você querer repetir a dose.

Por fim, pedimos para que o Paulo dissesse alguma coisa para quem surdo que tem medo de viver esta experiência, olha só o que ele disse:

Eu diria para ir na fé e na coragem: tudo se resolve da melhor forma possível. Aí fora, tem muita gente boa e disposta a ajudar!

Deu até vontade de arrumar as malas depois que a pandemia passar, né? Conte aqui nos comentários se você já pensou em viajar sozinho e teve medo ou se você já viajou sozinho e teve uma experiência diferente! Quem sabe não era esse o empurrãozinho que você estava precisando para conhecer o mundo? Então, que tal desafiar-se e programar uma viagem sozinho?

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