O Ensino da Libras para crianças surdas

Louise Rakoski

O Ensino da Libras para crianças surdas – Anderson Luchese

Quase que em paralelo com os estudos das línguas de sinais, iniciaram-se as pesquisas sobre o processo de aquisição da linguagem em crianças surdas filhas de pais surdos (Meier, 1980; Loew, 1984; Lillo-Martin, 1986; Petitto, 1987).

Essas crianças apresentam o privilégio de terem aceso a uma língua de sinais em iguais condições ao acesso que as crianças ouvintes têm a uma língua oral auditiva (Privilégio porque representam apenas 5% das crianças surdas, ou seja, 95% das crianças surdas são filhas de pais ouvintes e que, portanto, na maioria dos casos, não dominam uma língua de sinais). No Brasil, a língua de sinais começou a ser investigada na década de 80 (Ferreira-Brito, 1986) e a aquisição dessa língua, nos anos 90 (Karnopp, 1994; Quadros, 1995).

Processo das crianças surdas na língua de sinais

Esses estudos concluíram que o processo das crianças surdas adquirindo língua de sinais ocorre em período análogo à aquisição da linguagem em crianças adquirindo uma língua oral-auditiva. O fato do processo de aquisição da linguagem ser concretizado por meio de línguas visuais-espaciais, exige uma mudança nas formas como essa questão vem sendo tratada na educação de surdos. As crianças com acesso a língua de sinais desde muito cedo, desfrutam da possibilidade de adentrar o mundo da linguagem com todas as suas nuanças.

A língua de sinais vai ser adquirida por crianças surdas que tiverem a experiência de interagir com usuários de língua de sinais. Se isso acontecer, por volta dos dois anos de idade, as crianças estarão produzindo sinais usando um número restrito de configurações de mão. As crianças nesta fase começam a marcar sentenças interrogativas com expressões faciais concomitantes com o uso de sinais (palavras) para expressar sentenças interrogativas (QUEM, O QUE e ONDE). Nesse período, também é verificado o início do uso da negação não manual através do movimento da cabeça para negar, bem como o uso de marcação não manual para confirmar expressões comuns na produção do adulto.

Também se observa que as crianças começam a introduzir classificadores nos seus vocabulários.

Estudo da Ferreira-Brito (1995). “Classificadores” são sinais que utilizam um conjunto específico de configurações de mãos para representar objetos incorporando ações. Tais classificadores são gerais e independem dos sinais que identificam tais objetos. É um recurso bastante produtivo que faz parte das línguas de sinais. Para a descrição de alguns classificadores na língua de sinais brasileira.

Configurações de mãos e crianças surdas

Por volta dos três anos de idade, as crianças tentam usar configurações mais complexas para a produção de sinais, mas frequentemente tais tentativas acabam sendo expressas através de configurações de mãos mais simples (processos de substituição). Classificadores são usados para expressar formas de objetos, bem como o movimento e trajetórias percorridos por tais objetos. Aspecto começa a ser incorporado aos sinais para expressar diferenças entre ações (por exemplo, CORRER devagar, CORRER rápido).

A criança começa a estender as marcas de negação sobre sentenças assim como os adultos fazem, inclusive omitindo o item lexical de negação. As crianças, também, já utilizam estruturas interrogativas de razão (POR QUE). Nesse período, as crianças começam a contar estórias que não necessariamente estejam relacionadas aos atos do contexto imediato. Elas falam de algum fato ocorrido em casa, sobre o bichinho de estimação, sobre o brinquedo que ganhou, etc. No entanto, as vezes não fica claro o estabelecimento dos referentes no espaço, o que dificulta o entendimento das estórias.

Por volta dos quatro anos de idade, as crianças já apresentam condições de produzir configurações de mãos bem mais complexas, bem como o uso do espaço para expressar relações entre os argumentos, ou seja, as crianças exploram os movimentos incorporados aos sinais de forma estruturada. A partir desse período, elas começam a combinar unidades de significado menores para formar novas palavras de forma consistente. Nesse período, começam a ser observadas a produção de sentenças mais complexas incluindo topicalizações.

As expressões faciais são usadas de acordo com a estrutura produzida, isto é, as produções não manuais das interrogativas, das topicalizações e negações são produzidas corretamente. As crianças ainda não conseguem conservar os pontos estabelecidos no espaço quando contam suas estórias, apesar de já serem observadas algumas tentativas com sucesso. Aos poucos, torna-se mais claro o uso da direção dos olhos para concordância com os argumentos, bem como o jogo de papéis desempenhado através da posição do corpo explorados para o relato de estórias.

Na verdade, nas análises da produção das crianças adquirindo a língua de sinais brasileira foi observado que a direção dos olhos é usada consistentemente por volta dos 2 anos de idade. O uso da concordância verbal através do olhar é uma das informações que garante a compreensão do discurso da criança durante este período tão precoce. O contexto em que esse processo de aquisição acontece é aquele em que as crianças têm a chance de encontrar o outro surdo, ou seja, além de ver os sinais, ela precisará ter escutas em sinais (Souza, 2000).

Relação da escola com crianças surdas

A escola torna-se, portanto, um espaço linguístico fundamental, pois normalmente é o primeiro espaço que a criança surda entra em contato com a língua brasileira de sinais. Por meio da língua de sinais, a criança vai adquirir a linguagem. Isso significa que ela estará concebendo um mundo novo usando uma língua que é percebida e significada ao longo do seu processo. Todo esse processo possibilita a significação por meio da escrita que pode ser na própria língua de sinais, bem como, no português. Como diz Karnopp (2002), as pessoas não constroem significados em vácuo.

Segundo BASSO, STROBEL e MASUTTI (2009) explica como ação pedagógica de exploração da Língua de Sinais é preciso considerar tanto os fatores internos quanto externos.

Os fatores internos referem-se ao processo de aquisição da linguagem por parte do aluno, ou seja, a época em que o aluno foi exposto à língua de sinais pela primeira vez. Muitos alunos surdos têm contato tardio com a língua de sinais e chegam à idade escolar com um nível de proficiência muito baixo, atrasando seu aprendizado. Por isso é necessário que as crianças surdas entrem em contato com a Libras o mais precocemente possível para que tenham um desenvolvimento lingüístico adequada.

Quanto aos fatores externos precisamos considerar as condições históricas e sociais de ensino da língua de sinais (se o ensino ocorre em uma escola de surdos ou escola inclusiva, por exemplo):

– As modalidades das línguas (visual-espacial da Libras e oral-auditiva da língua portuguesa);

– Os papéis desempenhados pelas línguas (a língua de sinais tem status diferentes nas escolas de surdos e nas escolas inclusivas);

– Outras variáveis (como o ambiente, os tipos de interação entre professor e alunos, os estilos e estratégias de aprendizagem de cada aluno, os fatores afetivos e o significado social da língua de sinais e da língua portuguesa para o aluno). Estes fatores precisam estar presentes no momento do professor elaborar um programa de ensino de Libras, seja na escola de surdos, seja na escola inclusiva.

Segundo o texto da autora Quadros (1997), os principais instrumentos a serem explorados no processo de ensino da língua de sinais são:

– A produção de literatura em sinais

– A elaboração de materiais escritos em sinais

– O registro em sinais (vídeos e escrita)

Estes instrumentos deverão fazer parte de todas as ações pedagógicas relacionadas ao ensino de Libras. Por meio deles, tanto os aspectos culturais quanto os aspectos linguísticos da língua de sinais serão trabalhados de forma natural, proporcionando aos alunos surdos experiências significativas de aprendizado e inserção na cultura surda.

Referências

BASSO, Idavania Maria de Souza; STROBEL, Karin Lilian, MASUTTI, Mara. Metodologia de Ensino de Libras – L1. Universidade Federal de Santa Catarina Licenciatura em Letras-Libras na Modalidade a Distância. Florianópolis-SC, 2009.

FERREIRA-BRITO, L. Por uma gramática das línguas de sinais. Tempo Brasileiro. UFRJ. Rio de Janeiro. 1995.

FERREIRA BRITO, L. Comparação de Aspectos Linguísticos da LSCB e do português. Conferência apresentada no II Encontro Nacional de Pais e Amigos de Surdos. Porto Alegre. 27 a 29 de novembro de 1986.

KARNOPP, L. B. Aquisição do parâmetro configuração de mão dos sinais da língua de sinais brasileira: estudo sobre quatro crianças surdas filhas de pais surdos. Dissertação de Mestrado. Instituto de Letras e Artes. PUCRS. Porto Alegre. 1994.

KARNOPP, L. B. Aquisição fonológica na Língua Brasileira de Sinais: Estudo longitudinal de uma criança surda. Tese de Doutorado. PUCRS. Porto Alegre. 1999.

PIZZIO, Aline Lemos; QUADROS, Ronice Müller de. Aquisição da Língua de Sinais. Universidade Federal de Santa Catarina Licenciatura em Letras-Libras na Modalidade a Distância. Florianópolis-SC, 2011.

QUADROS, R. M. Educação de surdos: a aquisição da linguagem. Artes Médicas. Porto Alegre. 1997

________, PERLIN, G. (org.) – Estudos Surdos II. Petrópolis, RJ: Arara Azul, 2007.

________, KARNOPP, L. – Língua de Sinais Brasileira: Estudos Linguísticos. Porto

Alegre: ArtMed, 2004.

________, R. M.; LILLO-MARTIN, D.; MATHUR, G. O que a aquisição da linguagem em crianças surdas tem a dizer sobre o estágio de infinitivos opcionais?. Letras de Hoje, Porto Alegre, v. 36, n. 3, p. 391-398, 2001.

________, R. M. de & LILLO-MARTIN, D. Aquisição das línguas de sinais e a morfologia verbal nas línguas de sinais brasileira e americana. In Anais do I Encontro do Nordeste em Aquisição da Linguagem – I ENEAL – 2005. (CD).

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