Diagnóstico de autismo tardio em Mulheres: Um Desafio Invisível
O diagnóstico tardio de condições como o Transtorno do Espectro Autista (TEA) em mulheres ainda é uma realidade silenciosa e preocupante. A dificuldade em identificar corretamente os sintomas no sexo feminino tem raízes profundas em questões sociais, culturais e científicas. Mulheres autistas muitas vezes passam a vida inteira sem compreender completamente seus desafios ou acabam recebendo diagnósticos incorretos, como ansiedade, depressão ou transtornos de personalidade, o que atrasa intervenções adequadas e agrava quadros de sofrimento psíquico.
Os Desafios do Diagnóstico Tardio
Diversas pesquisas e relatos clínicos indicam que os critérios de diagnóstico historicamente foram construídos com base em amostras predominantemente masculinas. Isso faz com que o olhar clínico e os instrumentos de avaliação estejam mais afinados com manifestações típicas em meninos e homens, tornando o reconhecimento dos sinais em meninas mais difícil e impreciso. Segundo dados publicados pelo portal Coletivamente, enquanto 61,6% dos meninos recebem diagnóstico de autismo entre 0 e 4 anos de idade, apenas 37,2% das meninas são diagnosticadas nessa faixa etária. A idade média de diagnóstico também evidencia essa defasagem: 7 anos para meninos e 14 anos para meninas.
Essa diferença de sete anos pode ter consequências graves para o desenvolvimento emocional e social das mulheres autistas. Durante esse tempo sem diagnóstico, muitas delas enfrentam dificuldades de interação, comunicação e compreensão do mundo à sua volta, sem que recebam o suporte adequado. Isso pode acarretar em um histórico de exclusão social, fracassos escolares, baixa autoestima e quadros secundários como depressão e ansiedade.
Além disso, a interpretação social dos sintomas pode mascarar o diagnóstico. Quando uma menina apresenta um comportamento restritivo ou hiperfoco, isso muitas vezes é romantizado ou interpretado como traço de inteligência ou sensibilidade. Já a dificuldade de se socializar pode ser vista apenas como timidez. Esse filtro social e cultural contribui para que meninas e mulheres fiquem invisíveis dentro do espectro.
A Camuflagem Social Feminina
Um dos fatores mais significativos que dificultam o diagnóstico em mulheres é a chamada camuflagem social, também conhecida como masking. Trata-se de um conjunto de estratégias conscientes ou inconscientes utilizadas por pessoas autistas, especialmente mulheres, para esconder seus traços e se adaptar aos padrões sociais esperados. A camuflagem envolve desde copiar padrões de fala e expressões faciais até forçar interações sociais desconfortáveis.
Pesquisas sugerem que mulheres são mais propensas à camuflagem do que homens, possivelmente devido à pressão social histórica que recai sobre elas em relação à empatia, comportamento afetivo e comunicação. Embora essa habilidade de disfarçar os sintomas possa ser útil em contextos sociais e profissionais, ela também cobra um alto preço. Muitas mulheres relatam sentir exaustão, perda de identidade e dificuldades emocionais intensas por viverem uma espécie de “personagem social”.
Essa estratégia adaptativa, ao mesmo tempo que permite certa funcionalidade social, dificulta o reconhecimento do autismo por parte de familiares, educadores e profissionais de saúde. Assim, muitas mulheres só recebem diagnóstico na vida adulta, muitas vezes após um colapso emocional ou uma crise profunda.
A Urgência de um Novo Olhar Clínico
Diante desse cenário, torna-se urgente repensar os modelos diagnósticos e sensibilizar os profissionais de saúde e educação para as particularidades do autismo no sexo feminino. É essencial promover uma escuta mais qualificada, considerar os aspectos subjetivos da experiência feminina no espectro e investir em estudos com maior representatividade de mulheres autistas.
Também é necessário fomentar campanhas de conscientização sobre o autismo feminino, para que famílias, escolas e profissionais estejam mais atentos às manifestações sutis e subjetivas do espectro. O diagnóstico precoce, mesmo que em adolescentes ou adultos, pode representar um alívio para muitas mulheres que passam a compreender melhor sua trajetória e buscar formas mais saudáveis de se relacionar com o mundo.
A inclusão verdadeira só será possível quando todas as formas de ser e sentir forem reconhecidas, respeitadas e legitimadas.