[Libras] Aprendizagem de Libras por um ouvinte

Louise Rakoski

Introdução

Para aprofundarmos sobre os processos que se estabelecem na busca de conhecimento por um ouvinte da Língua Brasileira de Sinais – libras[2], buscarei refletir contigo um pouco sobre as vantagens de aprender essa língua, bem como pensar sobre o que você pode fazer para contribuir em seus estudos.

Nosso texto está dividido em três partes. Na primeira parte discutiremos as vantagens que um ouvinte pode ter em aprender libras. Na segunda, discutimos sobre os processos de aprendizagem e aquisição de uma segunda língua – L2[3] e na terceira e última parte, falaremos sobre algumas estratégias que o ouvinte pode desenvolver para enriquecer sua acuidade linguística na libras. Desse modo, este texto pretende contribuir com o processo de aprendizagem de libras para ouvintes levando-os a compreender que para aprender uma L2 é necessário a busca contínua, bem como o contato com a comunidade linguística, como estratégia relevante na compreensão da cultura e identidade dos sujeitos da língua que busca aprender.

Vantagens do ouvinte aprender Libras

São inúmeras as vantagens que um ouvinte tem em aprender libras. Aqui iremos ressaltar quatro justificativas na busca de esclarecer essa questão. A primeira trata-se da libras ser uma língua reconhecida legalmente como a língua de comunicação e expressão da comunidade surda brasileira (BRASIL, 2002; 2005).

Embora a maioria dos brasileiros acreditam que o português seja a única língua do país, isso não é uma verdade absoluta. Temos inúmeras línguas faladas no território brasileiro como as línguas indígenas e línguas estrangeiras de comunidades de emigrantes que vivem no nosso país há anos. No entanto, ao contrário das línguas indígenas e línguas estrangeiras, a língua de sinais brasileira é a segunda língua oficialmente reconhecida no Brasil.

Ter duas línguas oficiais em um país viabiliza a possibilidade do sujeito se tornar bilíngue em seu próprio país. Essa realidade é natural em países como o Canadá que possui, em algumas regiões, duas línguas: o inglês e o francês. Nessas regiões as pessoas comunicam em duas línguas naturalmente em suas interações sociais.

A partir do reconhecimento da libras esse contexto bilíngue passa a existir oficialmente aqui no Brasil também. Ou seja, você tem a oportunidade de se tornar bilíngue[4] em seu próprio país e não precisa viajar para um outro país para aprender uma segunda língua, como, por exemplo, acontece com muitos brasileiros que buscam estudar inglês ou espanhol.

Diversos estudos apresentam vantagens cognitiva e psicológica em um sujeito que aprende uma outra língua[5]. Ao pensarmos em um sujeito bilíngue o qual entre as línguas que domina está uma língua de sinais, temos outras vantagens não discutidas em estudos de línguas orais[6]. Por se tratar de uma língua cuja modalidade[7] linguística é visuoespacial[8]aprender libras também pode apresentar novas habilidades espaciais presentes nas línguas de sinais as quais não seriam facilmente possíveis de desenvolver linguisticamente se o sujeito aprendesse apenas línguas orais.

O ouvinte que busca aprender libras tem a oportunidade de se ingressar no mercado de trabalho que atualmente vem crescendo bastante oferecendo novos serviços especializados e que contam com novas demandas legais e reconhecidas como a tradução e interpretação. Ou seja, além de aprender uma nova cultura e uma nova língua através das relações com os sujeitos surdos em seu processo de aprendizagem de libras, o ouvinte pode se tornar um tradutor intérprete ou um professor de libras profissionalmente.

Processos de aprendizagem e aquisição de uma segunda língua

Após apresentarmos algumas vantagens que um ouvinte pode ter em aprender libras, passaremos agora a discutir os processos de aprendizagem e aquisição de uma segunda língua com o objetivo de esclarecer quais são as estratégias possíveis que um ouvinte pode utilizar em seu processo de aprendizagem dentro e fora dos cursos de libras.

Estudos como o de Krashen (1981) apresentam características específicas entre o processo de aprendizagem de L2 e aquisição de L2. Esses estudos são aplicados no processo de ensino de uma segunda língua. Entendo que seja relevante o ouvinte compreender esses processos para buscar desenvolver estratégias que favoreçam seu conhecimento na libras. Vejamos, então, o que o autor nos diz sobre esses dois processos.

O processo de aprendizagem de L2 é um processo formal, ou seja, um processo que se estabelece dentro de uma sala de aula de línguas. Nele, uma das característica é a presença do foco na retenção consciente das regras e na correção de erros (KRASHEN, 1981). Sendo assim, quando o ouvinte opta em se ingressar em um curso de libras, ele será conduzido a desenvolver atividades conscientes e controladas pelo professor para aprender a língua de sinais.

O professor, por sua vez, estará atento ao seu processo orientando-o na reprodução dos sinais e auxiliando na sua produção linguística, trazendo para a sala de aula atividades como repetição, uso de diálogos, atividades de tradução, geralmente, organizados através de temas específicos.

Ao conceituar o processo de aquisição de L2, Krashen (1981) salienta que esse se dá através de uma interação comunicativa natural, ou seja, uma relação informal. Para o autor, o aprendiz é envolvido na comunidade de L2 e através da interação desenvolve sua aquisição na nova língua.

Dessa maneira, o foco poderá focar mais na forma linguística e a forma apreendida de uma maneira mais intuitiva, pois a interação está voltada para a compreensão do que está sendo dito – na mensagem e essa interação, geralmente, não é interrompida para esclarecer algum construto gramatical. É um processo sem a presença de instrução consciente, com o foco no erro.

O ouvinte que busca emergir na comunidade surda, promove interações naturais na língua de sinais e tem acesso aos diferentes modelos linguísticos e não somente àquele que o professor apresenta em sala de aula e, embora na sala de aula exista a possibilidade de processos conscientes e inconscientes no processo de ensino e aprendizagem de L2, a interação comunicativa natural e informal na libras pode ser melhor favorecida.

É evidente que os professores de libras viabilizam estratégias didáticas tanto de aprendizagem quanto de aquisição de libras como L2 em sala de aula, o aluno que busca aprofundar na língua de sinais também fora do contexto formal enriquecerá seu conhecimento com mais agilidade e rapidez do que àquele que não o faz.

A busca por interações comunicativas fora de sala de aula de libras pode ser viabilizada através da participação do ouvinte na comunidade surda. Geralmente, espaços religiosos e associações de surdos são lugares favoráveis para uma boa emersão. Outra possibilidade é conhecer e se tornar amigo(a) de surdos e conviver com eles em reuniões e encontros como festas e celebrações.

São muitos os ouvintes que me abordam perguntando qual tempo específico demora para aprender libras e minha resposta sempre é a seguinte: a forma como o ouvinte lida com aquilo que é estudado em sala de aula que fará realmente a diferença em seu processo de aprendizagem. Em uma sala de libras para ouvintes é notório a diversidade de níveis na libras entre os alunos.

Um aluno que busca o contato autêntico e natural com a língua de sinais também fora de sala de aula através de ouvintes e surdos que dominam o idioma, se desenvolvem mais rápido do que aqueles que tem contato com a língua apenas algumas vezes na semana em situações formais.

Ao entrar em contato com os surdos e sua comunidade o ouvinte viabiliza interações que enriquecem não só a sua competência linguística e discursiva na L2, mas também promove a aprendizagem e a compreensão dos processos sócio-histórico e cultural dos surdos. Para entendermos sobre essa relação da cultura surda, trago a teoria da aculturação apresentada por Figueiredo (2006; 2015) em seus estudos sobre aprendizagem colaborativa de línguas.

A teoria da aculturação esclarece que a aquisição da L2 é facilitada quando o indivíduo que busca aprender a nova língua compreende e se adapta pela cultura dos nativos e não-nativos da língua que estuda (FIGUEIREDO, 2006; 2015). Desse modo, o grau de proficiência na L2 está vinculado diretamente com a aproximação social e psicológica do ouvinte em relação à cultura surda.

Quanto mais distante dos surdos mais dificuldades em compreender como a libras se estabelece e consequentemente uma estagnação na sua evolução no processo de interlíngua[9]. Sua participação nas manifestações culturais da comunidade surda e sua compreensão do movimento político e social dessa comunidade são fatores que influenciarão sua habilidade na L2.

Estudos como o de Figueiredo (2006; 2015) afirmam que o indivíduo não desenvolve competência na L2 exclusivamente por atividades didáticas desenvolvidas em sala de aula com foco na prática da língua, mas, também, através da interação comunicativa natural que provoca modificações discursivas para interagir em uma conversação.

Quando um ouvinte busca desenvolver interações com os surdos em diferentes espaços naturais de comunicação como frequentar ambientes em que tenham surdos e a língua de sinais seja privilegiada, o ouvinte terá acesso a diferentes identidades surdas e manifestações linguísticas discursivas que enriquecerão sua competência comunicativa na libras.

Estratégias que o ouvinte pode desenvolver para enriquecer sua linguística na Libras

Sendo assim, para que um processo de aquisição e aprendizagem de libras por um ouvinte seja bem-sucedido, o ouvinte deve desenvolver estratégias que priorizem o uso da libras em diferentes contextos. Portanto, priorize seus estudos na língua de sinais e busque contato com a comunidade dentro e fora dos cursos de libras para que a aprendizagem tanto da forma, ou seja da gramática da língua de sinais, quanto do conteúdo, também definido como mensagem seja estabelecidos.

O ouvinte que é reconhecido e validado pela comunidade surda é aquele que se torna um aliado dela na busca de esclarecer para a comunidade majoritária ouvinte as questões culturais e sociais dos surdos. Esse ouvinte que pertence a comunidade majoritária passa a atuar eticamente através de posicionamentos de respeito aos surdos frente a outros ouvintes e, assim,  ponderando e esclarecendo equívocos trazidos por eles, bem como a busca por equidade através da acessibilidade que os surdos necessitam na sociedade.

Compreendo que para uma proficiência na libras se estabelecer em um ouvinte é fundamental a busca de cursos e aprofundamento formal, mas também a priorização de seu processo de aquisição natural da libras pela interação comunicativa natural e significativa entre o ouvinte que está aprendendo a língua de sinais com ouvintes e surdos proficientes na libras.

Dessa maneira, aprender libras requer um esforço contínuo que pode ser favorecido por um processo de aprendizagem colaborativa que compreende a construção do conhecimento favorecida por meio de interações entre surdos e ouvintes (OLIVIERA; FIGUEIREDO, 2017, VYGOTSKY, 1998).

Concluo salientando que por meio da interação com os surdos ou ouvintes fluentes, as trocas estabelecidas na interação como o processo de conversarem sobre a estrutura da língua, ou sobre a cultura surda (processo de aculturação), dentro e fora de sala de aula, o aprendiz de libras tem trocas significativas e esclarecedoras sobre a língua de sinais. Ou seja, ele intensifica seu conhecimento e promove uma aprendizagem mais agradável e rica que resultará numa produção fluente e proficiente em língua de sinais.

Referências

BRASIL. Lei no 10.436, de 24 de abril de 2002. Dispõe sobre a Língua Brasileira de Sinais – Libras e dá outras providências. Diário Oficial da União, Brasília, DF, seção 1, 25/4/2002, p. 23 (Publicação Original).

_____. Decreto no 5.626, de 22 de dezembro de 2005. Regulamenta a Lei n° 10.436, de 24 de abril de 2002, que dispõe sobre a Língua Brasileira de Sinais – Libras, e o art. 18 da Lei n° 10.098, de 19 de dezembro de 2000. Diário Oficial da União, Brasília, DF, seção 1, 23/12/2005, p. 28 (Publicação Original).

FAULSTICH, E. Modalidade oral-auditiva versus modalidade vísuo-espacial sob a perspectiva de dicionários na área da surdez. In: LIMA-SALLES, H. M. M. (Org.). Bilinguismo dos surdos: questões linguísticas e educacionais. Goiânia: Cânone Editorial, 2007. p. 143-157.

FIGUEIREDO, F.J.Q.de. A aprendizagem colaborativa de línguas: algumas considerações conceituais e terminológicas. In: (Org.). A aprendizagem colaborativa de línguas. Goiânia: Ed. UFG, 2006. p. 11-45.

_____. Aprendendo com os erros: uma perspectiva comunicativa de ensino de línguas. 3. ed. rev. ampl. Goiânia: Ed. UFG, 2015.

.GROSJEAN, F. Life with two languages: An introduction to bilingualism. Cambridge- London: Harvard University Press, 1982.

KRASHEN, S. D. Second Language acquisition and second language learning. Oxford: Pergamon, 1981.

CRAIK, F. I. M; BIALYSTOK, E; FREEDMAN, M. Bilingualism as a form of cognitive reserve inNeurology, v. 75, n. 19, p. 1726-1729, 2010.

OLIVEIRA-SILVA, C. M. A aprendizagem colaborativa de inglês instrumental por alunos surdos: um estudo com alunos do curso de Letras: Libras da UFG. 2017. 286 f. Tese (Doutorado em Letras e Linguística) – Faculdade de Letras, Universidade Federal de Goiás, Goiânia, 2017.

OLIVEIRA, Q. M. de. A aprendizagem de libras e português em contexto de tandem: um estudo com alunos do curso de Letras: Libras da UFG. 2017. 127f. Dissertação (Mestrado em Letras e Linguística) – Faculdade de Letras, Universidade Federal de Goiás, Goiânia, 2017.

OLIVEIRA, Q. M. de.; FIGUEIREDO, F. J. Q. de. Aprendizagem de libras e português em contexto de tandem: um estudo realizado com uma aluna surda e uma aluna ouvinte da Universidade Federal de Tocantins. Caderno Seminal Digitalv. 28, n. 28, 2017

VYGOTSKY, L.S. A formação social da mente: o desenvolvimento dos processos psicológicos superiores. São Paulo: M. Fontes, 1998.

 

[1] Professor de Libras e linguística pela Universidade Federal do Tocantins – UFT, no curso de Letras: Libras, campus de Porto Nacional. Mestre em Letras e Linguística pela Universidade Federal de Goiás – UFG. Especialista em Docência e Tradução de Libras no ensino superior pela UNÍNTESE e tradutor-intérprete de libras e língua portuguesa em diferentes contextos educacionais e sociais.

[2] Grafo ‘libras’ com letra minúscula baseado nos estudos de Oliveira (2017) e Oliveira e Figueiredo (2017), por entender que esta é a forma em que as línguas naturais são grafadas na língua portuguesa.

[3] Alguns autores trazem diferença entre ‘segunda língua – L2’ e ‘língua estrangeira – LE’, no entanto, nesse texto trataremos de ‘segunda língua’ como a língua que não é a primeira língua de um sujeito C e/ou diferente da língua materna de seu país (FIGUEIREDO, 2015). Desse modo, a libras pode se tornar uma ‘segunda língua’ para o ouvinte que tem a língua portuguesa como sua primeira língua.

[4] Saber uma segunda língua pode tornar uma pessoa bilíngue desde que ela use a L2 de forma regular e Fluente (GROSJEAN, 1982).

[5] Para melhor aprofundamento veja os estudos de Craik, Bialystok e Freedman (2011), do Instituto Rotman do Centro de Pesquisa Geriátrica Baycrest, de Toronto, no Canadá, publicado na Revista Neurology, que afirma que quem domina duas línguas e as praticas frequentemente dessas línguas pode ter o aparecimento do Mal de Alzheimer retardado por alguns anos.

[6] Entende-se como línguas orais as línguas que são percebidas pelos ouvidos e produzidas pela boca, como, por exemplo, o português, o inglês, o espanhol entre outras. Já as línguas de sinais são línguas que são percebidas pelos olhos e produzidas pelas mãos, corpo e expressões faciais, salvo as línguas de sinais táteis que são percebidas também pelo tato.

[7] O termo “modalidade” é usado para esclarecer o meio em que as línguas são produzidas e percebidas pelos falantes (OLIVEIRA-SILVA, 2017).

[8] o termo “visuoespacial” refere-se como uma característica das línguas de sinais que se estruturam no espaço frente ao corpo do sinalizante, e dessa forma, entendido como o espaço de sinalização (FAULSTICH, 2007).

[9] Entende-se por interlíngua o processo natural que o sujeito passa para aprender uma L2. Esse processo é definido e esclarecido por estágios contínuos que partem da comparação de sua L1 ao distanciamento e desenvolvimento da competência linguística na L2 (FIGUEIREDO, 2006;2015).

 

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